Os diversos processos presentes na midiatização da saúde

Parte III


Por Maria do Carmo Pasquali Falchi, 2022.


Dando sequência à série de entrevistas com criadoras de conteúdo sobre Síndrome de Turner (ST) nas plataformas digitais, a conversa de hoje apresenta uma dinâmica diferenciada em relação as anteriores. Não apenas porque o foco não é na experiência pessoal da entrevistada, mas porque ela tem como principal meta ajudar a dar voz a outras pacientes. O conteúdo apresentado nessa série é parte da minha tese de doutorado, que aborda as experiências comunicacionais de pacientes com ST na ambiência da midiatização, e que está vinculada ao Lacim. Lembrando que o objetivo das entrevistas apresentadas é mostrar as diferentes relações e imbricações existentes no processo de midiatização da saúde, e como essas dinâmicas fazem parte da elaboração da doença e de si. Para mais informações é só acessar a primeira parte dessa série.

A entrevista de hoje é com Emily Seymour, uma mulher da Inglaterra e que nasceu com a síndrome. Em 2021, Emily começou um podcast – o Turner Syndrome Talk and Tea - no qual ela entrevista mulheres com ST e seus pais. Com um grupo de perguntas pré-selecionadas, ela apresenta diferentes experiências relacionadas à enfermidade. Seu programa atualmente tem audiência em mais de 25 países e conta com quase 3000 mil visualizações.



Lacim: Porque você decidiu criar o podcast Turner Syndrome Talk and Tea?

Emily: Então, eu criei porque queria mais conscientização sobre Síndrome de Turner, porque ela não é muito conhecida. E eu quis criar porque queria me sentir menos sozinha. Não que eu tivesse um problema com isso, mas é legal falar com as pessoas. E então eu pensei que seria o que eu amaria quando eu era mais nova, como nos meus anos de adolescência.


Lacim: E quais são os objetivos do podcast?

Emily: Criar mais conscientização, permitir que as pessoas tenham insights sobre o cotidiano da Síndrome de Turner. Porque nós temos muitas questões médicas, o que é normal, porque faz parte do processo. Nós não temos muitas [perspectivas] sobre a vida real, a qual, talvez, você possa aplicar.


Lacim: Você acredita que é importante falar não apenas sobre questões médicas, mas sobre a vida, a qualidade de vida, o que fazemos além da ST?

Emily: Definitivamente. Por exemplo, eu tive que trocar uma medicação quando tinha 16 anos, porque não era que eu não precisasse, mas eu era sensível a progesterona, que é usado para a reposição hormonal algumas vezes. E nessa idade você não se sente empoderada em mudar o medicamento, eu estava braba todo o tempo. Olhando para trás eu provavelmente não demonstrava tanto, mas na minha cabeça eu era uma pessoa horrível. Então é legal saber que não é só você que passa por essas experiências, que você pode ir contra [a opinião do] médico, perguntar coisas diferentes.


Lacim: E por que você escolheu um podcast, e não outro tipo de mídia?

Emily: Porque é menos pressão, menos pressão em relação a aparência. Por exemplo, se eu fizesse um [canal] no YouTube eu pensaria: Tenho que usar maquiagem? Por exemplo, as vezes que eu fiz as gravações do meu podcast meu cabelo estava desarrumado. Então é menos pressão e eu acho que é mais acessível.


Lacim: Não sei na Inglaterra, mas aqui no Brasil apenas recentemente estamos falando e ouvindo mais podcasts. Eles são populares na Inglaterra?

Emily: Sim, muito populares. E com o podcast você não precisa ter WiFi para escutar. Você pode fazer download e se você está trabalhando você pode escutar, então você pode escutar a qualquer momento.


Lacim: Por que você decidiu contar a história das outras pessoas, e não apenas a sua?

Emily: Apenas uma história sozinha seria chata, eu sinto, e talvez repetitiva. Porque eu teria que refletir profundamente para encontrar coisas para dizer. E eu apenas amo escutar a história de todo mundo. Eu sento e entro em transe, eu [tenho medo] de esquecer de gravar. Isso não aconteceu, mas eu tenho medo que eu me esqueça.


Lacim: Você acredita que aprendeu coisas diferentes sobre ST escutando a história das pessoas?

Emily: Até agora eu não tinha me dado conta, eu não tinha pensado em quão impactante a infertilidade pode ser para cada um. Por exemplo, eu sabia que seria impactante para as meninas e mulheres com a síndrome, mas pensando [por exemplo] nos parceiros. Eu tive algumas perspectivas sobre isso. E só no geral, cenários do cotidiano que não me afetavam, mas que afetam outras mulheres.


Lacim: Que papel você acha que a comunicação tem para os pacientes com ST e suas famílias?

Emily: Conexão, e se ver em outras pessoas. Por exemplo, você nunca vai estar sozinho, e todo mundo sabe disso em algum nível. Mas é uma outra perspectiva escutar sobre o assunto, escutar a sua história na perspectiva de outra pessoa.


Lacim: Qual a importância para a as famílias terem acesso e terem diferentes experiências sobre ST nas plataformas digitais?

Emily: Talvez alguém que tenha uma filha que está para entrar na puberdade possa escutar a experiência de alguém que já passou pela puberdade. Então, o que [se deve] procurar, coisas como essa.


Lacim: Eu estava pensando, o seu podcast traz diferentes perspectivas, não apenas dos pacientes, mas das mães e dos pais, qual a importância de escutar a todos os tipos de experiências, não apenas dos pacientes? Porque as vezes o foco é apenas nos pacientes e nas mães. Mas seu podcast vai além delas.

Emily: É interessante, não? Porque quando você pensa em um diagnóstico, você pensa apenas em uma pessoa, e talvez, como você disse, a mãe. Mas eu acho que é importante ter todas as perspectivas, porque afeta todo mundo que você conhece, como toda a família: seu irmão, irmã, tio e tia talvez.


Lacim: Quais os desafios de ser apresentadora e de gravar e compartilhar o conteúdo do seu podcast?

Emily: Esquecer de gravar. É uma grande questão para eu pensar ‘Eu estou gravando?’, então eu tenho que checar se estou gravando duas ou três vezes. E eu tive que aprender algumas coisas, como nomear melhor, por exemplo, ‘Dad Seymour em edição’, ‘Dad Seymour editado’. E tentar encontrar… eu gosto de que meu Instagram tenha uma aparência estética agradável, então tentar encontrar conteúdo para lá.


Lacim: Quais os desafios você tem durante as entrevistas?

Emily: Às vezes eu tenho que puxar para [o entrevistado] dar uma reposta, não o tempo todo. Especialmente se eu não conheço a pessoa pode ser complicado. Se você não sabe muito sobre eles, não posso dizer se eles começaram alguma ação para arrecadar fundos. Se eu não os conheço não posso dizer ‘eu sei que você fez isso’, então pode ser complicado algumas vezes.


Lacim: Sobre as perguntas que você faz no podcast. Qual foi seu processo para estabelecer o grupo de perguntas para as entrevistas?

Emily: Eu pedi conselhos para meus pais. Eu disse ‘Eu quero começar um podcast, que perguntas eu deveria fazer?’ e nós debatemos juntos. Obviamente ‘Você tem ST?’ deveria ser a primeira pergunta. Perguntar sobre o maior desafio e a experiência mais positiva estão conectadas: uma vez que eu pensei em perguntar ‘Qual seu maior desafio?’ eu pensei ‘E a experiência mais positiva?’


Lacim: Isso é algo interessante sobre seu podcast: Você sempre pergunta uma experiência positiva sobre ST, porque as pessoas sempre relacionam com algo negativo.

Emily: Eu não queria começar com o positivo. Eu queria começar com o negativo, e então, ir para o positivo. Assim, não seria a última coisa que você lembra ou diz. Eu tento estabelecer um equilíbrio, o que é legal.


Lacim: Sobre as pessoas que você entrevista. Algumas entram em contato com você, mas você convida pessoas para estarem no seu podcast?

Emily: Sim. Se eu conheço alguém em particular eu vou convidar. Mais não espere ser convidado, só entre em contato. Eu tenho a Hailey, ela faz parte da associação, e ela é alguém a quem eu recorro para me recomendar pessoas. Porque eu não conheço todo mundo da associação, e tem muitas meninas com ST que não fazem parte da associação.


Lacim: Em relação a todo o processo midiático: você foi aprendendo durante o processo, ou fez uma pesquisa prévia?

Emily: Eu deveria ter feito [uma pesquisa]. Mas foi tudo dentro dos primeiros meses depois do lançamento do podcast. Eu deveria ter pesquisado antes e ter feito um lançamento mais adequado.


Lacim: Sobre o processo de gravar os episódios, como é depois que a pessoa entra em contato com você?

Emily: Eu gravo em um aplicativo. Eu costumava mandar para uma pessoa que editava profissionalmente, mas era muito caro, então eu encontrei um site que faz isso de graça, e que é muito bom. Então eu envio o episódio previamente [para a pessoa que eu entrevistei] caso eles queiram escutar. Porque, às vezes, e eu sei por mim: no meu primeiro episódio do podcast eu não lembrava o que eu disse, e fiquei escutando várias vezes.


Lacim: Que estratégias você tem para promover interação com a audiência?

Emily: Eu faço algumas postagens nos stories do Instagram. Eu mando algumas coisas como ‘se você quer estar no meu podcast me mandar uma mensagem e entre em contato’. E as vezes, não sempre, mas em alguns episódios eu digo no final ‘eu adoraria receber seu feedback, independente de qual for’, por que eu realmente adoraria.


Lacim: Você também usa o Instagram. Porque você acha que é importante promover seu podcast lá?

Emily: É mais um ponto de conexão, eu imagino. Eu penso que sé escutar uma pessoa você pode ter uma ideia de como ela se parece, mas ver a foto da pessoa no Instagram você fica ‘ah, ok’. Eu digo, pode parecer bobagem, mas é relacionar um rosto a um nome. Faz você se sentir mais conectado à pessoa, mesmo que você mal a conheça.


Lacim: Como é a dinâmica de responder os comentários no Instagram? Você responde a todos?

Emily: Sim, definitivamente. Eu acho que é muito importante. Eu não recebo muitos comentários, então é fácil de lidar. Por exemplo, tinha uma mulher com o recente diagnóstico de um bebê, e ela não conhecia associações, e ela era dos Estados Unidos. Então [na resposta ao comentário] eu marquei a versão norte-americana de um podcast sobre ST no Instagram, e ajudou ela a encontrar as pessoas certas para conversar, o que é fantástico.


Lacim: Você acha que o podcast e o Instagram se completam como plataformas de comunicação?

Emily: Eu acho que sim. Eu acho que ajuda a alcançar uma maior audiência. Eu também retornei ao Facebook, onde eu recentemente lancei uma página, para chegar a mais pessoas. Se fizesse o podcast sozinha seria complicado. Quando mais você está lá fora [nas plataformas], mas visível você está, e mais pessoas saberão sobre isso.


Lacim: Quais outras estratégias você usa para manter as pessoas interessadas no podcast?

Emily: Então, eu fiz algo engraçado. No Reino Unido nós temos uma companhia de construção chamada Turners, e eles tem caminhões. Um dia eu estava viajando e eu vi esse caminhão com Turners escrito nele. Então eu tirei uma foto e usei o photoshop para colocar o logo do meu podcast nele. Eu pensei que seria divertido, uma ‘promoção’, o que não era. Então coisas divertidas como essa. E eu sempre pergunto se os entrevistados podem promover o episódio, se eles gostariam, porque eu tenho certeza que a suas famílias e amigos ficariam muito orgulhosos.


Fonte: Instagram

Lacim: Seu podcast tem audiência em mais de 25 países. Você esperava por isso?

Emily: Não, mas deveria, porque estamos [disponíveis] em todos os países.


Lacim: Qual sua reação quando descobriu que pessoas de vários lugares do mundo estavam escutando você?

Emily: Eu fiquei surpresa, eu entendi a Europa, pessoas na Europa escutando. Mas não pensei que pessoas no Brasil iriam escutar, não achei que pessoas em Bangladesh iriam escutar, na Armênia.


Lacim: Você acha que a comunicação pode contribuir para acabar com o estigma sobre Síndrome de Turner? Por que?

Emily: Sim, por exemplo, tivemos uma moça que é contadora no podcast. Notadamente, mulheres e meninas com ST não são boas em matemática. Não todas as meninas, mas é de bem conhecido que nós não somos boas em matemática. E ver, ouvir alguém que é contadora é fantástico. Mostra que você pode. Só porque algo [ou alguém] disse que você não pode fazer algo, ou que você pode achar difícil, não significa que você não possa fazer.


Lacim: Há muitos anos as informações sobre ST eram apenas médicas. Você sente uma diferença agora?

Emily: Sim. Eu não sei de forma geral, mas definitivamente com a associação, especialmente nas plataformas digitais por causa do algoritmo. Se você segue alguma pessoa e tem ST ou borboleta [no nome ou na descrição] então te sugere mais pessoas para seguir e falar. E eu acho que [a ST] está se tornando mais conhecida.


Lacim: Falando sobre o algoritmo. Eu descobri seu podcast dessa forma: foi uma sugestão no meu perfil do Instagram, pois eu sigo pessoas com ST e organizações. Você acha que nesse caso o algoritmo pode ajudar a estabelecer uma rede de contatos?

Emily: Definitivamente. Porque no início, quando eu estava começando, eu estava pesquisando muitos vídeos no YouTube e perfis no Instagram. E de uma forma bem simples: tenha uma palavra-chave pela qual você quer que as pessoas te reconheçam. Meu Instagram é o nome do podcast, e minha identificação é Emily- Turner Syndrome podcast. Uma forma simples e efetiva. Se você está digitando uma palavra – baseado em coaches e mentores – se você está digitando uma palavra o nome do seu negócio, da sua loja deve aparecer, então, se você digitar Síndrome de Turner meu nome deve aparecer.


Lacim: Você acha que há um risco de desinformação sobre ST através do compartilhamento de conteúdo nas múltiplas plataformas? Sei que seu podcast é apoiado pela Turner Syndrome Support Society do Reino Unido, então tem informações confiáveis. Mas algumas vezes vemos pessoas falando sobre ST e não há a oportunidade de checar a informação.

Emily: Definitivamente. Então, Arlene, CEO da Turner Syndrome Support Society do Reino Unido, ela criou a associação para ter informações precisas, porque havia muita desinformação, ela disse, sobre o assunto na época do diagnóstico da filha dela. Eu disse na prévia do meu podcast: ‘Eu não sou expert em ST, mas eu sou expert na minha experiência pessoal’. E eu coloco links de sites confiáveis para procurar informações médicas. Mas definitivamente há risco de desinformação sobre a síndrome.


Lacim: Como a comunicação e as histórias de vida com pessoas com doenças raras podem estar conectadas?

Emily: Só falar ajuda. Ser aberto e ser honesto. Por exemplo, se você está passando por dificuldades, talvez você ache que não, mas escutar as experiências das pessoas podem ajudar você a compreender que você passando por dificuldades. Sem essas experiências talvez você não se dê conta.

Semana que vem, a última entrevistada da nossa série é Marybel Good, mãe de uma jovem com ST e cofundadora da ONG Turner Syndrome Global Alliance. Ela irá nos apresentar uma visão institucional dos processos de midiatização da saúde no Facebook. Te aguardamos para continuar acompanhando as nossas conversas.


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Sobre a entrevistadora:

Maria do Carmo Falchi é doutoranda em Ciências da Comunicação na Unisinos. Em sua pesquisa, vem investigando as experiências comunicacionais de pacientes com Síndrome de Turner nas plataformas digitais. Como jornalista e pesquisadora seus interesses estão em compreender os processos e dinâmicas da midiatização da saúde.