Os diversos processos presentes na midiatização da saúde

Parte IV


Por Maria do Carmo Pasquali Falchi, 2022.


Hoje encerramos a série de entrevistas que tem como objetivo demonstrar, através das experiências comunicacionais de pacientes com Síndrome de Turner (ST) e seus familiares, os diferentes processos que envolvem a midiatização da saúde. Lembrando que as entrevistas fazem parte da minha pesquisa de doutorado, intitulada Elaborações da doença e de si: experiências comunicacionais sobre Síndrome de Turner na sociedade em vias de midiatização, e que é vinculada ao Lacim. A ideia é mostrar a aplicabilidade de dinâmicas comunicacionais na ambiência da midiatização por sujeitos inseridos na comunidade, e de que forma essas processualidades contribuem para a produção de sentidos e sua circulação. Para mais informações sobre as entrevistas e sobre o estudo que vem sendo desenvolvido e sobre Síndrome de Turner, acessar a primeira parte da série.

A entrevista a seguir foi realizada com a representante e cofundadora da Turner Syndrome Global Alliance (TSGA), Marybel Good. A TSGA é uma organização não-governamental dos Estados Unidos que surgiu em 2014. No ano seguinte eles se inseriram nos circuitos midiáticos com a criação de uma página no Facebook, que hoje possui aproximadamente 13.500 curtidas e mais de 3.500 postagens. Lembrando que, diferentemente das outras entrevistas que foram realizadas através da plataforma Zoom, esta, devido a uma solicitação da organização, foi feita através de e-mail.



Lacim: Por que a organização criou a página no Facebook? Quais são os objetivos?

TSGA: A Turner Syndrome Global Alliance é uma pequena e enxuta organização sem fins lucrativos com a missão de conectar ciência, recursos e financiamentos para a comunidade Síndrome de Turner. Nós criamos a página do Facebook para conectar a comunidade. Nossos objetivos são principalmente:

1- compartilhar informações baseadas em evidência e recursos para meninas e mulheres com ST e suas famílias;

2- mudar a imagem da Síndrome de Turner mostrando fotos de pessoas reais que tem ST fazendo coisas que elas amam com suas famílias. As antigas imagens de ST de livros não refletem a realidade de quem vive com ST, e nós queremos que famílias que estão aprendendo sobre ST pela primeira vez vejam lindas e expertas pessoas com ST e se sintam esperançosos.


Lacim: Porque a organização escolheu o Facebook?

TSGA: Nós começamos a TSGA em 2014 e o Facebook era a principal ferramenta de mídia social, especialmente para pessoas que estavam em idade de se tornar pais.


Lacim: Qual é o público-alvo da página do Facebook?

TSGA: Nosso público-alvo são mulheres com ST e pais de meninas com ST, incluindo aqueles com um diagnóstico recente. Apesar de algumas vezes copiar nossas postagens no Twitter e Instagram, nós não temos um poder pessoal de ser efetivos nesses canais.


Lacim: Qual o maior desafio em criar conteúdo para a página?

TSGA: Nós recebemos muitas fotos. O maior desafio é o tempo que leva para criar e planejar o conteúdo. Um dos nossos cofundadores faz isso quase que exclusivamente.


Lacim: Como é o processo de procurar e checar as informações compartilhadas no Facebook?

TSGA: Nós somente compartilhamos informações que são baseadas em pesquisas de fontes confiáveis. Em adição, nós, algumas vezes, repostamos frases e fotos ou criamos nosso próprio conteúdo mais ‘leve’.


Lacim: A organização faz com que as informações médicas sejam mais acessíveis aos pacientes e suas famílias? Como?

TSGA: Nós acreditamos que nossa página no Facebook educou e empoderou milhares de familiares a terem mais conhecimento sobre ST e a serem melhor defensores [da causa]. Previamente a nossa página do Facebook, a única maneira de aprender informações era encontrar um website e ler toda a informação contida nele. Por meio do compartilhamento de pequenos fatos nós ajudamos famílias a aprender mais sobre ST, empoderando eles a terem conversas mais significativas com seus médicos.


Lacim: A organização acredita que houve uma mudança na área médica através de atividades comunicacionais, como a de vocês? Por quê?

TSGA: A mudança que a TSGA trouxe para o campo médico é o crescimento de clínicas multidisciplinares como um modelo de cuidado. Nós definitivamente acreditamos que nosso apoio a essas clinicas aumentou não somente o cuidado, mas também a expectativa para cuidado de excelência. Por meio do compartilhamento sobre as clínicas, famílias agora sabem que podem ter acesso a um cuidado de excelência se eles moram perto ou se podem viajar até uma clínica. Agora, nós esperamos fazer o mesmo com o engajamento em pesquisa através do ‘InsightTS Registry’ que nós estamos fundando. Nós compartilhamos informações sobre ele no Facebook para educar o público e promover conscientização, assim os pacientes vão estar desejosos de se inscrever e compartilhar suas informações para pesquisas.


Lacim: Como a organização lida com assuntos mais sensíveis relacionais a ST que são compartilhados online?

TSGA: A TSGA se mantém baseada em fatos. Apesar de que alguns indivíduos algumas vezes vão comentar nossas postagens, nós não somos um fórum de discussão ou uma conexão de um para um. Se as famílias nos contatam procurando informações que não podemos fornecer ou precisando de apoio, eu os referencio para algum grupo de discussão online, que são informais, mas uma boa maneira de conectar mulheres ou famílias e aprender com as experiências dos outros. O tópico mais sensível para mulheres e pais na comunidade ST está ligado a infertilidade. Nós postamos informações baseadas em fatos sobre fertilidade e incluímos posts sobre as diversas formas de construir uma família. Por mais difícil que seja, nós acreditamos na importância de compartilhar fatos e que meninas e mulheres que sabem sobre a sua própria condição relacionada a ST são empoderadas para serem melhores defensoras e tomarem melhores decisões sobre [sua] saúde.


Lacim: A organização acredita que há um risco de desinformação sobre ST através do conteúdo compartilhado em múltiplas plataformas? Por quê?

TSGA: Existem [nos Estados Unidos] três organizações defensoras, e cada uma é responsável e cuidadosa com o conteúdo compartilhado. Eu diria que há um pequeno risco de desinformação. As vezes há informações incorretas ou suposições nas discussões informais de grupos, mas essas não são organizadas e não reivindicam serem factuais. Às vezes nós mergulhamos [nessas discussões] e compartilhamos um recurso [de informação], mas não temos o poder pessoal de checar as discussões em grupo. Eles não são associados a TSGA.


Lacim: Quais estratégias vocês utilizam para promover interação com os seguidores?

TSGA: Nossa principal estratégia é oferecer o VIB ou Very Important Butterfly: cards no mês da conscientização da ST em fevereiro. Pessoas e famílias nos mandam uma foto e nós fazemos um card que compartilhamos com eles – que eles podem postar nas suas redes sociais. Essa tem sido uma campanha bem popular.

Card produzido para Maria do Carmo Falchi.

Lacim: Como é a dinâmica de responder os comentários dos seguidores na página?

TSGA: Nós tentamos responder os comentários, mas não é organizado como um fórum de discussão. Nós não somos notificados dos comentários, então eles são perdidos. Nós, sim, respondemos as mensagens e frequentemente compartilhamos recursos com as pessoas nessa maneira.


Lacim: O que a organização acredita ser necessário para melhorar a interação e o acesso à informação sobre ST?

TSGA: Nós gostaríamos de melhorar a compreensão do valor da pesquisa e contar com a força da comunidade para ajudar a fundar nosso projeto de pesquisa lançado esse ano, o InsightTS Registry. Apesar de recebermos algum dinheiro de arrecadações monetárias via Facebook, nós não tivemos sucesso usando-a como uma plataforma de arrecadação financeira.


Lacim: Quais as contribuições que o contato e a informação sobre a síndrome podem trazer para a vida das pacientes e suas famílias?

TSGA: Nossa página definitivamente traz esperança através do compartilhamento de fotos de tantas pessoas com ST. Nós também ajudamos pacientes e familiares a se empoderaram por meio do conhecimento e informação.


Lacim: Vocês acreditam que a comunicação pode contribuir para acabar com o estigma sobre ST? Por quê?

TSGA: Sim, especialmente se pegarmos informações compartilhadas além da pequena comunidade de pacientes e famílias com ST. Nós já ajudamos a acabar com muito estigma, mudando a percepção sobre o que significa ter ST.


Lacim: A percepção da organização sobre ST mudou através da experiência com a página do Facebook?

TSGA: Não, acho que não. Eu sinto que nós estamos em contato com os desafios e preocupações da comunidade. Às vezes nós vemos desinformações em páginas informais do Facebook, e então se tem um ponto para criar algumas postagens sobre aquele tópico para compartilhar informações corretas.


Lacim: Como que a comunicação através do Facebook contribuiu/ facilitou a missão da organização?

TSGA: A página do Facebook é um ponto de conexão com a comunidade e nossa forma de compartilhar informação e comunicar com os pacientes e suas famílias.


Lacim: Qual a importância de, através da comunicação, estabelecer uma relação entre ciência e ST?

TSGA: Isso é incrivelmente importante. Infelizmente, muitas famílias com um novo diagnóstico recebem informações erradas até mesmos dos médicos. Isso é muito evidente em diagnósticos que vem de pré-natal e de opiniões profissionais e consultas que as famílias recebem. Infelizmente muitas famílias ainda são encorajadas a terminar a gravidez se a ST é diagnosticada, baseada em um pouco entendimento sobre a verdadeira qualidade de vida de meninas e mulheres com a ST.


Lacim: Há uma intercambialidade entre posts com frases motivacionais e informações médicas sobre ST. Qual a importância de falar sobre esses dois tópicos?

TSGA: Nós incluímos frases motivacionais para ser encorajadores e esperançosos. Com o Facebook, para se ter um melhor engajamento, é necessário postar uma vez ao dia, preferencialmente mais. Nós precisamos adicionar algo para se misturar com as postagens de informações médicas.


Lacim: Vejo que a organização, majoritariamente, não compartilha experiências pessoais sobre a ST na página do Facebook, Isso é uma política da TSGA? Por que?

TSGA: Eu não diria que é uma política, mas mais uma preferência pessoal dos fundadores da TSGA. Nós entendemos que cada pessoa/ família tem uma história, e o contar ela é muito curativo e empoderador. E nós tomamos a decisão de nos mantermos baseados em fatos, e, portanto, desviar das histórias individuais. Também, quando se dá uma plataforma para pessoas contarem suas histórias é muito difícil corrigir informações erradas, porque é parte da história delas, e nós sentimos que não podemos editar as histórias. É difícil assegurar que tudo que uma pessoa compartilha é factual, especialmente desde que o diagnóstico de ST pode ser um momento emocional.


Lacim: Alguns posts tem fotos de bebês, meninas e mulheres com ST, que tipo de cuidado a organização tem com esse tipo de postagem?

TSGA: Todas as fotos nos são enviadas por pessoas e famílias com a permissão expressa de postar nas mídias sociais e serem usadas pela TSGA. Nós sentimos que isso é muito importante – mostrar caras de pessoas reais vivendo com ST.


Lacim: A organização pensa que as informações médicas e técnicas sobre ST podem dificultar a mensagem objetivada pela TSGA? Por quê?

TSGA: Algumas vezes as informações médicas são difíceis de serem escutadas, mas nós sentimos uma responsabilidade de aumentar o conhecimento da comunidade e sua habilidade de entender tudo sobre ST, até mesmo as partes mais difíceis.


Lacim: Qual a importância para as famílias terem acesso e verem diferentes experiencias sobre ST nas plataformas digitais?

TSGA: Eu também coordeno um grupo local de apoio no Colorado, EUA, nos últimos 5 anos eu tenho vista a necessidade de um apoio offline diminui porque há muito apoio nas redes sociais. Meninas, mulheres e famílias estão se conectando virtualmente, e também na vida real, fazendo amizades reais e encontrando apoio. Esse é o poder das mídias sociais.

Com a perspectiva de Marybel Good encerrarmos a série de entrevistas sobre os diferentes processos de midiatização da saúde. Agradecemos a colaboração, o tempo, a disponibilidade das quatro mulheres entrevistas, que se tornaram parte fundamental deste estudo. Lembrando que as entrevistas apresentadas são parte integrante da tese em desenvolvimento, a ser concluída no primeiro trimestre de 2023. Mais informações sobre a pesquisa que vem sendo realizada podem ser nos artigos PLATAFORMAS DIGITAIS NA MIDIATIZAÇÃO DA SAÚDE: A SÍNDROME DE TURNER NO CANAL DO YOUTUBE BROOKE TV, MIDIATIZAÇÃO DA SAÚDE E APROPRIAÇÃO DE DISPOSITIVOS MIDIÁTICOS POR PACIENTES: O CASO DA PÁGINA DO FACEBOOK TURNER SYNDROME GLOBAL ALLIANCE e MIDIATIZAÇÃO E RECONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE:EXPERIÊNCIAS COMUNICACIONAIS SOBRE SÍNDROME DE TURNER NAS PLATAFORMAS DIGITAIS.


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Sobre a entrevistadora:

Maria do Carmo Falchi é doutoranda em Ciências da Comunicação na Unisinos. Em sua pesquisa, vem investigando as experiências comunicacionais de pacientes com Síndrome de Turner nas plataformas digitais. Como jornalista e pesquisadora seus interesses estão em compreender os processos e dinâmicas da midiatização da saúde.